CANAL DE SÃO ROQUE

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Foto de Gabriel Pereira




sexta-feira, 10 de outubro de 2014

É-ME DFÍCIL ACEITAR OS ESTÍMULOS VISCOSOS



Imagem retirada da Net




É-ME DIFÍCIL ACEITAR OS ESTÍMULOS VISCOSOS

Carlos Pereira


É-me difícil aceitar os estímulos viscosos

vindos de quem se julga superior aos demais.


Admito que me faltam os tiques dos meninos

que estudaram num qualquer colégio francês ou alemão.

Que sou rude com as palavras e com os gestos.

Confesso que nunca pude dizer:

- O meu pai mandou o chauffeur buscar-me à escola no mercedes

ou quando chegar a casa a Maria vai preparar um lanche com leite e chocolate,

torradas com manteiga, queijo e compota de morango.

Mas pude dizer:

- Joguei à bola, feita de uma meia velha já bastante remendada

e com trapos também velhos e gastos. Apanhei girinos nas poças de água

nascidas das primeiras chuvas de Outono.

Sabia o nome dos pássaros pelo seu canto e tinha amigos leais.

Confesso que nunca pude dizer:

- O meu pai levou-me a visitar o jardim zoológico.

Mas pude dizer:

- O meu pai levou-me à pesca, ensinou-me a utilizar a cana,

os diversos tipos de anzol e a panóplia de iscos.


É-me difícil aceitar os estímulos viscosos

vindos de quem se julga superior aos demais.


Avança. Marcha. Bate com vigor a bota na parada.

Bate a continência. Salva a nação e a aparência.

Olha a boina, recruta, está mal colocada.

Ó nosso pronto quem o ensinou a marchar.

Que falta de elegância, que inoperância.

Ó nosso cabo leve o jipe ao comando que o nosso general

quer ir ao ninho matar saudades da sua jovem namorada.

Acabaram as munições. Acabou a guerra.

Quem a ganhou?

- Fomos nós, que tínhamos poemas de combate em vez de aviões e de um

submarino decrépito e ferrugento, que nunca tirou a cabeça debaixo de água;

se fosse areia seria uma avestruz.

Truz! Truz!

Quem é?

- Somos nós que fomos ao lado de fora, para aquilatar a veracidade do que dizem.

Mas é mentira o que estão a dizer, o que disseram e o que irão dizer no futuro.


É-me difícil aceitar os estímulos viscosos

vindos de quem se julga superior aos demais.


 O tempo e os rios passam lentos e é tão difícil sofrer neste país;

 talvez por isso o nosso extermínio não seja exequível.


 Aveiro, 21.02.2014

 Publicado no Diário de Aveiro

 Dito no programa de fados e poesia, “Solar da Bairrada”, pelo fadista e poeta José Guerreiro na Rádio Província de Anadia

in "Poetas d'hoje / Antologia  Edição Grupo de Poesia da Beira Ria / Aveiro 2016


quinta-feira, 9 de outubro de 2014

SER, TER E SABER



Foto de Carlos Pereira




SER, TER E SABER
Carlos Pereira


Ainda que pareça ser
o que não sou; sou o que pareço....

Entre ser e parecer,
sou aquele que me conheço.

 
Ainda que pareça ter
o que não tenho; tenho o que mereço.
Entre ter e merecer,
sou aquele que agradeço.

 
Ainda que pareça saber
o que não sei; sei o que teço.
Entre saber e compreender,
sou aquele que amanheço.



Aveiro, 17.03.2014